Às vezes me olho no espelho e não me reconheço. Fico procurando aquele garoto de 12 anos que já fui um dia. Quanto medo tinha do mundo, e agora o mundo é meu! Mesmo assim, não me reconheço, porque não tenho nada. Profanei todos os sonhos daquele garoto. E o que eu fiz com o seu corpo? O seu rosto não é mais o mesmo. Quantas marcas de espinhas e cravos, barba, cortes no rosto, marcas de preocupação com a vida, noites mal dormidas, noites muito bem acordadas. Quantas mordidas, muitas, bem levadas! Não sou mais aquele garoto de 12 anos assustado com o mundo. O mundo não me assusta mais. Só me assusto comigo mesmo. Por que não tenho tempo, não tenho limite, não tenho espaço. Agora sou uma pessoa que não serei amanhã. E amanhã não serei esse aqui de hoje. Preocupo-me com aquele menino que fui um dia aos 12 anos, por que no futuro posso ser algo que não quero ser agora. Gosto e desgosto; amo e desamo; sou árido, e faço chover; não costumo deixar passar nada, mas aquela roupa velha pode apodrecer no cesto, que eu nem sinto o cheiro.
O espelho me trai, porque não me mostra. Não mostra minha face má. Ou será que eu não consigo ver a face boa, e penso que o mal que vejo é o bem? Faço confusão com tudo, por que muitas vezes não me reconheço. E acabo agindo por instinto. Sou racional, muito racional. Mas vivo de paixão em paixão. Amo as pessoas que me cercam, meus livros, meus passeios, minha diversão, minha música, o cinema que eu vejo. Mas racionalizo tudo. Mas não uso a razão para nada. Então fico perdido. Tenho medo apenas do julgamento daquele menino de 12 anos que fui um dia. Será que ele vai me culpar por escolhas incertas, será que vai apontar meus erros, sem ver todos os meus acertos? Todas as pessoas maravilhosas que passaram pela minha vida, todas as pessoas que passaram e foram embora. Amei muito e também fui amando, e eu aos 12 anos não esperava que isso fosse acontecer. Amo muito a todo o tempo, e sinto amor de muitas partes. São muitos os que não gostam de mim, e poucos os que fariam algo por mim. Mas esses poucos são um milhão, porque eles são o meu mundo, e quem desgosta acaba não sendo nada, por que o meu mundo é o que eu vivo. E eu não vejo verdade no que eu não vejo.
Espero não ter decepcionado muito meus sonhos de menino de 12 anos. Espero não decepcionar meus sonhos de agora. Espero não me reconhecer no espelho. Mas me reconhecer em mim. Por que a face é apenas uma armadura, uma armadilha. E se você tira essa pele, tem alguém diferente aí embaixo. Embaixo de todos esses níveis deve estar ainda o menino de 12 anos que eu fui um dia. E eu sei que ele tem participação nisso tudo. Eu sei que sempre fizemos escolhas juntos. Mesmo que tenhamos nos distanciado, sempre quis o seu bem e ele sempre sonhou que eu fosse alguém no ano 2000. Então, para eu me tornar alguém tive que matar o menino de 12 anos que fui um dia, o de 13, o de 14, e etc. Seus sonhos, suas vontades. Tive que superar isso tudo. Tive que ser eu mesmo aos 20, 22, 24, 26, e etc. Tenho que ser eu mesmo hoje, tenho que ser eu mesmo sempre. Só não posso decepcionar a mim mesmo hoje. Porque tenho que fazer no meu mundo o que eu quero. Todos os outros são os outros, não são eu mesmo, e mesmo que estejam aqui, sou eu mesmo, não sou nada além de mim. E mesmo que não saiba muito bem, quem sou, o que quero, o que posso. Sei que sou, que quero, que posso. Assim, dia após dias vou me superando, eu mesmo. A única pessoa que posso superar, porque não sou mais ninguém além de mim mesmo. E vou sendo a cada dia mais eu mesmo. E mesmo que não me reconheça um dia no espelho, sei que devo estar em algum lugar aqui. E um dia poderei me reconhecer.